domingo, 6 de novembro de 2011

A ROUPA DO REI

Havia um Rei muito egocêntrico que adorava roupas bonitas. Esse Rei enviava emissários por todo o país com a missão de comprar roupas diferentes. Os seus guarda-roupas estavam entulhados com ternos, sapatos, gravatas de todas as cores e estilos. Eram tantas as suas roupas que ele estava muito triste porque seus emissários já não encontravam novidades.
Dois espertalhões ouviram falar do gosto do Rei pelas roupas e viram nisso uma oportunidade de enriquecerem às custas da vaidade da Majestade. A vaidade torna bobas as pessoas e elas passam a acreditar nos elogios dos bajuladores.
Pois os dois espertalhões foram até o palácio real e anunciaram-se na portaria, apresentando o seu cartão de visitas: “Doutor Joselino e Doutor Valerino, especialistas em tecidos mágicos.”
O Rei já havia ouvido falar de tecidos de todos os tipos, mas nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem trazidos à sua presença.
“Falem-me sobre o tecido mágico”, ordenou o Rei. Um dos espertalhões, o mais loquaz, se pôs a falar. “Majestade, diferente de todos os tecidos comuns, o tecido que nós tecemos é mágico porque somente as pessoas inteligentes podem vê-lo. Vestindo um terno feito com esse tecido Vossa Majestade será cercado apenas por pessoas inteligentes, pois somente elas o verão...”
O Rei ficou encantado e imediatamente contratou os dois espertalhões, oferecendo-lhes um amplo aposento onde poderiam montar os seus teares e tecer o tecido que só os inteligentes poderiam ver.
Alguns dias depois o Rei mandou chamar o Ministro da Educação e ordenou-lhe que fosse examinar o tecido. O Ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelões estavam trabalhando.
“Veja, excelência, a beleza do tecido”, disseram eles com as mãos estendidas. O Ministro da Educação não viu coisa alguma e entrou em pânico. “Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo sou burro...” Resolveu, então, fazer de conta que era inteligente e começou a elogiar o tecido como sendo o mais belo que havia visto.
“Majestade”, relatou o Ministro da Educação ao rei, “o tecido é incomparável, maravilhoso. De fato os tecelões são verdadeiros magos!” O rei ficou muito feliz.
Passados mais dois dias ele convocou o Ministro da Saúde e ordenou-lhe que examinasse o tecido. Aconteceu a mesma coisa. Ele não viu coisa alguma. “ Meu Deus”, ele disse, “ não sou inteligente. O Ministro da Educação viu e eu não estou vendo...” Resolveu adotar a mesma tática do Ministro da Educação e fez de conta que estava vendo. O Rei ficou muito feliz com o seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros Ministros. Até que o Rei resolveu pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Mas, como os Ministros, ele não viu coisa alguma porque nada havia para ser visto. Aí ele pensou: “Os Ministros da Educação, da Saúde, das Finanças, da Cultura, do Turismo viram. São inteligentes. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Não posso deixar que eles saibam da minha burrice porque pode ser que tal conhecimento venha a desestabilizar o meu governo...” O Rei, então, entregou-se a elogios entusiasmados ao tecido que não existia.
O cerimonial do palácio determinou então que deveria haver uma grande festa para que todos vissem o rei em suas novas roupas. E todos ficaram sabendo que somente os inteligentes as veriam, dessa forma convidaram todos os cidadãos para a solenidade.
No dia do evento, a cidade engalanada, bandeiras por todos os lados, bandas de música, as ruas cheias, tocaram os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes:
 “Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a sua inteligência será colocada à prova. O Rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver.”
Canhões dispararam uma salva de 10 tiros. Rufaram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o Rei marchou vestido com a sua roupa nova.
Foi aquele ooh! de espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do Rei! Todos eram inteligentes.
No alto de uma árvore estava um menino a quem não haviam explicado as propriedades mágicas da roupa do Rei. Ele olhou, não viu roupa nenhuma, viu o Rei pelado, ficou indignado com tanta hipocrisia e não se conteve. Deu um grito que a multidão inteira ouviu: “O Rei está nu!”
Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. E uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. É que o menino fez o que todos estavam com vontade de fazer, mas tinham receio porque o Rei poderia não gostar e mandar punir a quem se atrevesse, mas nesse momento não teve mais como conter e todos os presentes gritaram também: “ O Rei está nu, o Rei está nu...”
O Rei tratou de tapar as partes com as mãos e voltou correndo para dentro do palácio.
Quanto aos espertalhões, já estavam longe e haviam transferido os milhões que haviam ganho para um paraíso fiscal...”

Adaptação da estória “O Rei Nu”, de Hans Christian Andersen